sábado, 30 de junho de 2012

O discurso de Idácio sobre a heresias (parte 1)


O DISCURSO DE IDÁCIO DE CHAVES CONTRA AS HERESIAS CRISTÃS: UM CONFRONTO POLÍTICO-RELIGIOSO NA PENÍNSULA IBÉRICA DO SÉCULO V D.C.

 Danilo Medeiros Gazzotti* UNESP, Campus de Franca – SP dmghistoria@gmail.com Introdução.

 Nosso artigo terá como enfoque o período da Antiguidade Tardia. Embora a mesma abarque do século III ao início do VII d.C, nosso foco se dará especificamente nos séculos IV e V d.C, em especial na região da Gallaecia, na Península Ibérica, onde Idácio de Chaves exerceu seu episcopado.

 Nossa proposta é de analisar e interpretar um documento, que é a crônica de Idácio, portanto não podemos esquecer que estamos diante de uma interpretação de quem a escreveu, ou seja, de um autor pertencente a um determinado grupo social da sociedade de uma determinada época. Então antes de analisarmos sua obra precisamos entender o significado da posição hierárquica de seu autor, um bispo niceno, e analisar o contexto histórico onde a mesma foi escrita. Conforme nos diz Helena Brandão1 sobre a afirmação do discurso cristão na Antiguidade Tardia romana: A linguagem é o elemento de mediação necessária entre o homem e a sua realidade, é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade [...] pois os processos que a constituem são histórico-sociais. [...] Seu estudo não pode ser desvinculado de suas condições de produção. (BRANDÃO, 2004).

 "Acreditamos que os bispos fazem parte de um grupo social-religioso com interesses próprios"

 Chartier afirma que os grupos sociais criam suas representações do mundo social, de maneira a impor seus valores. Essas representações, segundo esse autor, seriam tratadas em termos de concorrência e de competições, cujos objetivos seriam em termos de poder e dominação por meio de hierarquias. (CHARTIER, 1990, p.23). 

No Concílio de Nicéia, o qual foi realizado em 325 d.C. no governo do imperador Constantino I, houve um confronto político-religioso entre dois grupos de bispos, com interpretações diferentes acerca do dogma trinitário. O concílio foi chamado pelo imperador para superar divisões e divergências ocasionadas pela pregação do sacerdote Ário.

 A doutrina ariana questionava a consubstancialidade entre pai e filho e dizia que Jesus Cristo (Yaohushua) teria uma natureza apenas humana, contradizendo então a opinião ortodoxa que dizia que ele tinha duas naturezas, a humana e a divina.

 Durante o concílio alguns bispos estavam preocupados com a unidade da Igreja, e a nosso ver a unidade imperial romana através da fé, e outros com a distorção do dogma e doutrina cristãos. 

Para preservar esta unidade a doutrina ariana foi considerada herética e Ário e os bispos que a defenderam foram exilados do império. 

Depois disso o concílio tomou como dogma a profissão de fé proposta por Eusébio de Cesaréia, acrescido de alguns trechos a fim de evitar qualquer ambiguidade por parte dos arianos. A partir desta data os bispos que seguiam a doutrina oficial da igreja, passaram a se chamar nicenos, e tiveram como função promover a manutenção dos dogmas ortodoxos e o combate a qualquer outra interpretação do evangelho, mantendo desse modo a igreja unificada. 

No decorrer do século IV outras interpretações foram aparecendo e sendo confrontadas pelo grupo político-religioso ortodoxo. Dentre elas podemos destacar o priscilianismo, uma interpretação católica fundada pelo bispo Prisciliano de Ávila a qual ganhou muita força principalmente na Península Ibérica e que preocupou muitos bispos nicenos, entre eles Idácio. J. Vilela nos dá uma pequena síntese da doutrina prisciliana: Em outra ordem de coisas, como evidenciam " los Tractatus y los Cânones, a conduta religiosa prisciliana consta, em sínteses, estes elementos: la defensa del aceticismo – que se manifesta nol celibato -; na renuncia dos bens mundanos; abstenção de  carne e do  álcool e afastar-se da igreja durante os períodos de Quaresma... 

 Segundo Vilela, o priscilianismo é condenado como heresia no Concílio de Zaragoza em 380 d.C., mas a ausência dos principais bispos condenados de praticá-lo evitaram uma condenação mais firme. Durante os anos seguintes Prisciliano e seus seguidores tentaram em vão defender sua doutrina. 

Quando Prisiciliano chega à cidade de Trevéris em 384 d.C para tentar convencer o Imperador usurpador Máximo a apoiar sua causa, ele é preso por Evóido,prefeito do mesmo, sob diversas acusações, entre elas o estudo de doutrinas condenáveis, ter feito reuniões noturnas com mulheres de má reputação e rezar nu (VILELA, 1997, 527). 

Sob tortura, Prisciliano acaba concordando com as acusações e sendo executado no final de 384, início de 385 d.C. Mesmo após a morte de seu líder, o priscilianismo manteve-se em vigor durante ao menos dois séculos mais, como o demonstra Vilela: [...] Prisciliano será la figura carismática sobre la que se centra um largo conflicto, resultado que se extiende por Hispania y La Gallia, y particularmente por la Gallaecia, durante los últimos años del siglo IV y primeira mitad del siglo V, cuyas prolongaciones alcanzan hasta mediados del siglo VI. (1997, 529).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

10 Frases Sobre Cultivar a Gratidão

Apenas hoje estou reconhecendo a oportunidade em vez do obstáculo. A bondade em vez da apatia, a luz no lugar da escuridão, o amor em ve...