terça-feira, 26 de agosto de 2014

Templo é dinheiro

“Crédito ou débito?” - Quem pergunta é o pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus que recolhe o dízimo e outras doações munido da máquina para registrar operação com cartão de crédito. Pois, pois, as novas pentecostais aderiram rápido à nova tecnologia bancária para não perder uma oportunidade sequer de faturar.


Durante um mês a jornalista Sarah Corazza e um fotógrafo percorreram os templos de igrejas neopentecostais na cidade de Curitiba para testemunhar o fenômeno de religiosidade que arrasta milhões e transforma as novas igrejas em eficientes centros de arrecadação de fundos, o que ajuda a explicar a rapidez com que crescem essas instituições. Observaram os cultos, entrevistaram pastores e fiéis, consultaram os mestres do assunto e produziram a reportagem que leva no título uma expressão que se tornou comum pelo uso e pela verdade que encerra.


AS IGREJAS NEOPENTECOSTAIS FAZEM SUCESSO DE PÚBLICO E BILHETERIA? Houve um tempo em que Curitiba era conhecida como a cidade que tinha uma farmácia em cada esquina. Hoje, além das farmácias, Curitiba tem muitos templos em cada esquina. É uma das cidades do Brasil em que as novas igrejas pentecostais mais prosperam. Olhe a sua volta e verá. Onde havia um cinema, agora há uma igreja. Onde havia um supermercado, há um templo. E para coroar essa investida sobre os grandes imóveis urbanos que perderam a utilidade original, a Igreja Universal do Reino de Deus comprou a antiga fábrica do Matte Leão para abrigar o seu rebanho que não para de crescer.
Logo se vê que as neopentecostais fazem sucesso não apenas de público, mas também de bilheteria. É incalculável o que arrecadam diariamente. O suficiente para abrir templos e também para financiar o proselitismo eletrônico que ocupa boa parte do horário televisivo e radiofônico. Isso custa dinheiro. Muito dinheiro. Tanto que a Universal do Reino de Deus, do financista e bispo Edir Macedo, comprou a sua própria rede de televisão. A antiga Record, mais os restos da Manchete, agora são propriedade do Altíssimo e dedicam boa parte de seu tempo à pregação que oferece, em troca do dízimo e de outras ofertas relativas a dinheiro, a felicidade imediata na forma do milagre. E felicidade para os novos pentecostalistas significa, além de saúde, dinheiro em caixa. Para o doador, é claro, mas principalmente para a Igreja.
UM NEGÓCIO MUITO RENTÁVEL. Vamos separar o joio do trigo. Nem todas as igrejas pentecostais ou neopentecostais são apenas balcões de negócios. As antigas igrejas evangélicas e pentecostais passaram a conviver com os novos empreendimentos religiosos que se instalam com a proteção da legislação e os benefícios fiscais que os eximem do pagamento de impostos e da declaração legal do quanto arrecadam e aplicam. Num país em que a carga tributária beira os 38% sobre os comuns dos mortais, a isenção tributária é um regalo divino que ajuda a explicar o sucesso financeiro das novas seitas.
Para abrir uma Igreja são necessários apenas R$ 418,42 em taxas e emolumentos e cinco dias úteis. Simples. Não existem requisitos teológicos ou doutrinários para criar um culto religioso. Tampouco se exige número mínimo de fiéis. Com o registro da Igreja pode-se abrir uma conta bancária e realizar aplicações financeiras isentas de Imposto de Renda e Imposto de Operações Financeiras.
Esses não são os únicos benefícios fiscais da empreitada. Nos termos do artigo 150 da Constituição, templos de qualquer culto são imunes a todos os impostos que incidam sobre o patrimônio, a renda ou os serviços relacionados com suas finalidades essenciais, as quais são definidas pelos próprios criadores. Ou seja, todos os bens colocados em nome da Igreja estão livres de IPVA, IPTU, ISS, ITR e vários outros impostos.
Há também vantagens extratributárias. Os templos são livres para se organizarem como bem entenderem, o que inclui escolher seus sacerdotes. Uma vez ungidos, eles adquirem privilégios como a isenção do serviço militar obrigatório e direito a prisão especial.
O certo é que as novas igrejas dão rendimentos vultosos que se tornam explícitos quando se materializam em grandes obras ou transferidos para sustentar a vida nababesca de bispos e pastores. Em tudo há um traço de desfaçatez que insulta a inteligência ao mesmo tempo em que entusiasma milhares de contribuintes.
Um dos exemplos mais gritantes é a do bispo Edir Macedo e a campanha da Igreja Universal do Reino de Deus de coleta de doações para a construção da milionária réplica do Templo de Salomão, do tamanho de um estádio de futebol e custo em torno de R$ 200 milhões.
Em seu proselitismo arrecadador, Macedo começa ressaltando que o projeto do templo foi “desenhado por Deus”. Segue com um discurso muito usado por ele: “Se você for tocado pelo Espírito Santo a colaborar, então, por favor, use a seguinte conta bancária para fazer sua doação em nome da Igreja Universal do Reino de Deus e entregue o recibo de depósito numa IURD.” Termina citando a Bíblia, “Deus suprirá as necessidades de cada um dos doadores.” Filipenses 4.19. E repete os números das contas bancárias para os depósitos nos bancos do Brasil e Bradesco.
“Se arrependimento matasse”, confessa o ex-deputado estadual Waldemar Alves Faria Jr. (PL-SP), “eu estaria morto e enterrado há muito tempo.” O desabafo do ex-parlamentar — que foi eleito com o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus — deve-se ao fato de ter doado diretamente ao fundador da igreja, bispo Edir Macedo, entre 1997 e 1998, cerca de US$ 3,2 milhões.
O arrependimento se transformou numa Ação de Revogação de Doação por Ingratidão, acolhida pelo juiz Wanderlei Sebastião Fernandes, titular da 39ª Vara Cível de São Paulo, que determinou a imediata citação de Macedo. Faria Jr. disse que, na condição de ex-obreiro e crédulo seguidor dos ensinamentos evangélicos difundidos pela Igreja Universal, ficou totalmente submetido aos interesses pessoais e empresariais de Macedo: “Os US$ 3,2 milhões foram transferidos diretamente a Edir Macedo e não à Igreja Universal, como deveria ser feito. O bispo havia me pedido dinheiro como empréstimo pessoal, que acabou se transformando em “doação” a ele, Macedo, diante do seu irresistível apelo e da promessa de que todas as portas da igreja e da Rede Record me seriam abertas”, desabafa Faria Jr. “Eu destinava mensalmente dízimos milionários à igreja, chegando inclusive a doar um automóvel BMW 540I, que passou a ser usado por um dos bispos que atuam no Rio de Janeiro.”
Ao se ver totalmente descapitalizado, já que sua empresa, que tinha 400 empregados, hoje só conta com quatro, o ex-deputado tentou de todas as formas contato com o bispo Macedo, que se recusava a recebê-lo. Faria Jr. diz ainda que o fundador da Universal, em diversos eventos religiosos, fez referências a ele, acusando-o de “não estar mais na fé e haver se transformado num perdido, que, por ter pecado tanto, tudo havia perdido”. Nos autos da ação há acusações também contra a Record: “A emissora teria emitido um grande número de duplicatas falsas, entre 1997 e 1999, apoderando-se de mais de R$ 15 milhões de recursos da empresa de telemarketing pertencente a mim e a meu irmão.”
Faria Jr. adiantou que vai procurar o Ministério Público Federal para denunciar Macedo e a Rede Record, que fraudaram segundo afirma, a determinação que proibia a realização de sorteios lotéricos pela televisão, no sistema conhecido como disque 0900. Prestando serviços para a Record, segundo o próprio Faria Jr., sua empresa faturou R$ 125 milhões entre
fevereiro de 1997 e julho de 1998. Nem o bispo Macedo nem a direção da Rede Record quiseram se manifestar sobre as acusações feitas pelo ex-deputado.
Outra história emblemática é a de um empresário paranaense do oeste que entregou sua poupança para a Igreja. De católico fervoroso passou a membro fanático da Igreja Universal do Reino de Deus.

Tudo começou quando a igreja comprou o cinema da cidade para construir seu templo. Toda a população via com curiosidade e desconfiança a nova igreja que se instalava. Assim que o templo iniciou suas atividades, o programa de rádio do bispo Edir Macedo se popularizou.
O empresário, assim como milhares de outros fiéis, começou a ouvir o bispo todas as noites, antes de dormir. Sua curiosidade foi aguçando, afinal muitas graças e milagres eram propagados por Macedo. Interessado em conhecer mais
a igreja, o empresário decidiu ir até o templo e ver como tudo realmente funcionava.
Assim que entrou, começou a observar tudo. Estranhou a piscina infantil instalada em frente ao palco. Neste momento, o pastor responsável por arrebanhar as ovelhas no município, chegou simpático, conversou e convidou o empresário
a participar do culto que começaria em seguida. Ele saiu encantado com a articulação e a oratória do pastor.
No dia seguinte voltou e foi apresentado à família do pastor. A esposa acompanhava o celebrante nos cultos e ajudava nos serviços do templo, o que passou ainda mais credibilidade ao empresário. Em pouco tempo, o empresário passava ao menos uma hora do seu dia na igreja e as outras tentando converter a família e os amigos. Foi assim até que a família descobriu o rombo na conta bancária que essas idas diárias estavam causando.
Em pouco menos de dois anos foram mais de R$ 100 mil. Entre a aquisição de um terreno no céu no valor de R$ 7 mil, doação de geladeira e de um terreno na terra, além de depósitos em dinheiro, os números no patrimônio e na conta bancária foram reduzidos gradativamente. Mas não foi isso que fez com que o empresário largasse a igreja. O que intrigou
o fiel foi a mudança repentina de pastores. Após a saída do primeiro pastor que conheceu, os outros permaneciam menos de dois meses na cidade e já não apresentavam a família. Foi neste momento que ele começou a questionar a credibilidade da igreja e deixou de frequentar a Catedral da Fé.
O REINO DO CÉU. Na realidade, pelo discurso do pastor dá para perceber claramente que a ‘felicidade’ e o ‘reino do céu’ para eles está ligado ao dinheiro, às conquistas financeiras. O exemplo que ele utiliza, de um mendigo que chegou na igreja sem nada e que depois conquistou casa, carro, emprego e quando parou de pagar a igreja perdeu tudo, reforça a minha impressão.
(Texto extraido de Sarah Corazza-Revista Ideias)

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